Você já ouviu falar em literacidade de dados? Segundo o Dicionário Online Priberam, “a literacia é a capacidade de ler e escrever, bem como a capacidade de interpretar o que se lê”. É sobre este segundo ponto que quero abordar neste artigo, mas com foco maior nesse grande volume de informações que produzimos diariamente. O que a Inteligência Artificial (IA) e os resultados empresariais têm a ver com isso?
Costumamos ouvir e ler com frequência que “os dados são o novo petróleo”. Ocorre que, assim como em relação ao chamado “ouro negro”, os dados só possuem valor quando temos sabedoria para extraí-los, refiná-los e transformá-los em riqueza.
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Em nível organizacional, o que estou querendo dizer com isso é o seguinte: nessa era da digitalização, o desafio vai muito além de apenas coletar dados, mas saber como estruturá-los, analisá-los e transformá-los eminsightspoderosos que impulsionem decisões inteligentes.
É justamente aí que a IA (olhe ela aí de novo!) entra em cena, ajudando a transformar essa montanha de dados em sabedoria valiosa. Em minha jornada como consultor, tenho observado que inúmeras empresas ainda enfrentam dificuldades em organizar seus dados. Mas, Tarso: por que isso acontece? Uma das principais razões está no fato de que sem uma infraestrutura tecnológica adequada e processos claros, fica praticamente impossível extrair valor real dos dados que estão ali, muitas vezes desorganizados e subutilizados.
Planejamento, infraestrutura e capacitação
É como ter uma mina de ouro e não saber por onde começar a escavar. Eu defendo que a base para qualquer transformação orientada por dados começa na organização: ter um bom data lake, onde as informações sejam armazenadas de forma eficiente, e garantir que há regras de uso bem definidas é um primeiro passo nesse sentido. Contudo, não basta contar com uma boa infraestrutura – também é necessário ter as pessoas preparadas.
É que o valor real dos dados só aparece quando temos profissionais devidamente capazes de analisá-los, cruzar as informações mais relevantes e extrair insights significativos. Mais uma vez, estamos falando de transformar dados em sabedoria, um mantra que costumo repetir com frequência, porque ainda carece de ser compreendido. Para alcançá-lo, capacitar as pessoas e uma cultura empresarial orientada a resultados são fundamentais.
E onde é que a IA entra nessa história?
A IA vem como um elemento essencial para potencializar a capacidade de interpretação dos dados. Em diversos setores de uma organização, ela tem o potencial de auxiliar em diversas atividades, tais como:
- Organização e utilização dos dados;
- Automatização de tarefas;
- Criação de relatórios personalizados;
- Identificação de padrões que não seriam identificados com facilidade por análise manual.
Aqui vai um exemplo. Grandes companhias, como iFood, O Boticário e Netshoes, utilizam algoritmos de IA para explorar dados comportamentais dos clientes, compreendendo desde os hábitos de consumo até as preferências de pagamento. Com isso, não apenas atendem melhor os seus públicos, como também conseguem otimizar suas operações de ponta a ponta.
Empresas menores ou em estágios iniciais devem estar supondo que a adoção de tecnologias de ponta é algo distante da sua realidade. Porém, tenho notado que a própria evolução das plataformas de dados e IA tem permitido que mesmo os pequenos negócios acessem soluções sofisticadas de análise, por meio de parcerias ou uso de ferramentas plug and play. Esse movimento, chamado low code (ou no code), está democratizando o acesso à tecnologia, permitindo que mais empresas comecem a estruturar dados e a tomar decisões embasadas em fatos, e não apenas em achismos…
Série documental “A Era dos Dados”, disponível na Netflix, é uma boa dica para quem deseja aprender mais sobre este instigante tema
Segurança de dados: um desafio constante
Sem sombra de dúvida, a responsabilidade no uso dos dados segue como um fator crítico. As legislações, como a LGPD, vieram para garantir que as informações pessoais sejam tratadas com o devido cuidado e respeito à privacidade. O obstáculo é ainda maior quando precisamos garantir a governança dos dados, definir quem tem acesso a eles e de que forma podem ser utilizados.
Vejo que a IA também pode ser uma grande aliada na implementação de boas práticas de governança, ao criar mecanismos de segurança que assegurem que as informações sejam utilizadas da forma correta e que os riscos sejam mitigados. Não sei se você já assistiu à série “A Era dos Dados” (Connected, em inglês), disponível na Netflix. Apresentada por Latif Nasser, PhD em História da Ciência pela Universidade de Harvard, ela aborda questões bem relevantes sobre esse tema. Vale a pena dar uma maratonada!
Como iniciar a transformação digital na empresa?
Sempre que um empresário vem até a mim com o desejo de iniciar a transformação digital na sua organização, o primeiro passo que destaco é a necessidade de olhar para dentro: quais dados são essenciais para o meu negócio? O ideal é começar a investir na organização desses dados e na criação de processos padronizados para que a coleta e o armazenamento sejam feitos de forma eficiente. Depois disso, vem a parte de definir hipóteses – ou seja, o que queremos saber desses dados? É imprescindível, primeiramente, definir as perguntas certas para, então, iniciar as análises.
Diversas experiências de mercado demonstram que nem sempre precisamos pensar em soluções complexas desde o início. Sim, meus caros, grandes resultados podem surgir de iniciativas pontuais, com equipes pequenas (os chamados “squads“) que têm liberdade para experimentar e validar hipóteses rapidamente. É uma abordagem mais ágil e focada em resultados que, quando bem-sucedida, pode ser replicada e escalada para toda a organização.
Sem cultura forte, IA e dados são apenas tecnologia…
Tenho vivenciado um exemplo prático, recentemente, ao desenvolver um trabalho em um órgão público, onde estou envolvido em um projeto de padronização e automatização de processos. O objetivo é garantir que os dados coletados sejam organizados e possam ser aproveitados de maneira eficiente. Além de tecnologia, isso requer uma mudança cultural dentro da organização para que as pessoas compreendam o valor dos dados – e como eles podem ser utilizados tanto para melhorar a experiência do usuário como a qualidade dos serviços prestados.
Resumidamente, ao contrário do que muitos gestores ainda imaginam, dominar os dados não é apenas um recurso técnico restrito ao setor de TI. Trata-se, sim, de uma fonte de vantagem competitiva para quem souber explorá-los com estratégia e responsabilidade. Além das empresas que já mencionei, companhias como Databricks, Gartner e Bosch são alguns exemplos interessantes que já estão colhendo os frutos por terem investido recursos e capacidades nessa área.
Investimento e aprendizado
Costumo dizer aos meus alunos e aos empresários que visito, que estamos em um momento no qual aqueles que conseguirem construir uma cultura forte de análise de dados e IA estarão mais preparados para navegar em meio às incertezas e criar oportunidades em mercados cada vez mais dinâmicos. Para isso, é necessário investir em infraestrutura, capacitação e, principalmente, desenvolver uma mentalidade de aprendizado constante e experimentação.
Convido você a refletir sobre como a sua empresa está tratando os dados hoje. Você tem os dados organizados de forma que possam gerar valor? A sua empresa está pronta para experimentar e aprender com as novas tecnologias de IA? Talvez seja o momento de olhar com mais atenção para essas questões e se preparar para um futuro onde as decisões precisam ser mais ágeis, assertivas e embasadas. Dessa forma, dominar os dados para elevar os resultados não será mais um desafio. Será a realidade. Faz sentido para você?
Até a próxima!
Rafael de Tarso
Professor, palestrante e especialista em inovação e transformação digital.