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Indústria 4.0 no Brasil: realidade ou utopia?

Quando o assunto é a Indústria 4.0 (também conhecida como a Quarta Revolução Industrial), eu costumo brincar que, ao contrário do que algumas pessoas imaginam, não estamos mais falando de algo novo, à medida que as primeiras discussões sobre este conceito começaram entre 2010 e 2011, ou seja, ele já está quase debutando (risos).

De qualquer forma, até em razão da sua relevância, também é verdade que a Indústria 4.0 é um termo que segue com bastante evidência no vocabulário empresarial. Nas minhas andanças por aí, tenho observado que ainda há muitas pessoas fazendo a seguinte pergunta: será que essa transformação é uma realidade no Brasil ou estamos falando, mesmo depois de tanto tempo, de uma utopia distante? Eu acredito que a resposta esteja no meio-termo.

Desde que comecei minha jornada como consultor em Gestão da Inovação, tenho acompanhado, de perto, os avanços e os desafios que o Brasil enfrenta nesse caminho. Em linhas gerais, digo que a Indústria 4.0 no Brasil é caracterizada por uma série de “ilhas de inovação”, onde algumas empresas estão à frente, adotando tecnologias avançadas e transformando suas operações, enquanto outras ainda estão no estágio inicial da digitalização.

Leia também: Inovação muito além do discurso. Um compromisso com a transformação.

O contexto da Indústria 4.0 no Brasil

Considero notável que a Indústria 4.0no país esteja sendo impulsionada por iniciativas governamentais que visam estabelecer conceitos e incentivar a inovação no parque industrial brasileiro (vide o programa Nova Indústria Brasil). Isso se reflete em um aumento significativo nas leis (arcabouço legal) e recursos disponíveis para apoiar iniciativas inovadoras. No entanto, a adoção dessas tecnologias varia amplamente entre os setores.

Empresas-Faróis

Aqui no Brasil, encontramos alguns exemplos relevantes de empresas que estão na vanguarda da Indústria 4.0. Essas companhias, muitas vezes referidas como “empresas- faróis”, têm implementado tecnologias como Internet das Coisas (IoT), Realidade Virtual, Gêmeos Digitais e Inteligência Artificial (IA) para otimizar suas operações e aumentar a competitividade. O que as diferencia das demais? Elas contam com uma base de cultura digital.

Um ótimo estudo que recomendo para se aprofundar nesse assunto é o Global Lighthouse Network Playbook for Responsible Industry Transformation (versão exclusivamente em inglês), lançado em 2022 pelo Fórum Econômico Mundial em colaboração com a McKinsey & Company. Ele destaca, justamente, empresas como Renault, Coca-Cola e Mondelez, que utilizam a digitalização para melhorar a eficiência e a sustentabilidade das operações, criando toda uma cadeia de valor. 

A imagem abaixo, que integra o estudo citado, destaca a importância do novo design organizacional, que atua como um facilitador do processo de estratégia e implementação dos conceitos da Indústria 4.0. Cabe observar que, sob esse aspecto, ao invés de agirem de forma ‘departamentalizada’, em espécies de silos, as empresas adotam estruturas transversais para preparar as pessoas, gerenciar e integrar projetos de transformação.

Transformação bem-sucedida para a Indústria 4.0 passa pela cultura ágil, ecossistema tecnológico e mudanças no ambiente de trabalho

Indústria 4.0: desafios e oportunidades

Apesar dos avanços, é preciso dizer que a transição para a Indústria 4.0 no Brasil enfrenta desafios significativos. Um dos maiores obstáculos, na minha visão, é a necessidade de altos investimentos em maquinário e infraestrutura tecnológica. Tenho visitado inúmeras empresas que ainda operam com equipamentos antigos e processos analógicos, o que dificulta a implementação de tecnologias mais avançadas.

Além disso, a interoperabilidadetambém é um desafio crítico. Digo isso com preocupação, porque a capacidade de conectar sistemas que falam “línguas” diferentes é essencial para a criação de um sistema devidamente integrado. Sem essa integração, as empresas não conseguem extrair o máximo valor dos dados coletados, limitando o potencial de análise preditiva e prescritiva.

Outro obstáculo é um velho calcanhar de Aquiles à brasileira: a formação de talentos. A escassez de mão-de-obra qualificada para operar e manter essas novas tecnologias é um problema recorrente. Com base nessa realidade, precisamos de programas de capacitação que preparem a força de trabalho para os desafios da Indústria 4.0.

Estratégias para superar os desafios

Para que a Indústria 4.0 se torne uma realidade mais ampla (e bem implementada) no Brasil, é necessário desenvolver estratégias claras e eficazes. Algumas abordagens que podem ajudar:

1. Investimento em Infraestrutura

É fundamental que as empresas invistam em maquinário moderno e tecnologias habilitadoras. Esse investimento inicial pode ser alto, mas os retornos em termos de eficiência e competitividade são significativos em longo prazo.

2. Capacitação de Talentos

A formação de talentos é crucial. Programas de capacitação e parcerias com instituições de ensino (como o Senai) ajudam a preparar a força de trabalho para os desafios da Indústria 4.0. Iniciativas de aprendizado contínuo e desenvolvimento de habilidades digitais também são de fundamental importância.

3. Foco na Interoperabilidade

Desenvolver sistemas que possam se comunicar e integrar diferentes tecnologias é muito importante. A interoperabilidade permite que as empresas criem um ecossistema digital coeso, onde dados de diferentes fontes possam ser utilizados de forma eficaz para tomadas de decisão.

4. Cultura de Inovação

Costumo bater muito na tecla de que a inovação deve ser parte integrante da cultura empresarial. Nessa linha, incentivar a experimentação e a adoção de novas tecnologias, mesmo em pequenas escalas, pode ajudar a criar um ambiente propício para a transformação digital.

5. Parcerias Estratégicas

Parcerias com outras empresas, startups e instituições de pesquisa aceleram a adoção da Indústria 4.0. Colaborar com diferentes atores do ecossistema de inovação permite compartilhar conhecimentos e recursos, além de desenvolver soluções inovadoras em conjunto.

A sua empresa tem transformado dados em sabedoria?

Em resumo, concluo que muito dessa discussão é sobre como transformar dados em sabedoria. O que quero dizer com isso? Que, no fim, a Indústria 4.0 nada mais é do que o momento atual em que a gente vive, ou melhor: o recorte desse momento de hiper conectividade e digitalização. Logo, o mais importante é compreender como trabalhar essas informações e, a partir delas, identificar possíveis melhorias dentro da própria organização.

Desenvolver a capacidade analítica das pessoas em meio a esse cenário também é imprescindível nessa jornada. Aliás, saber identificar o atual estágio onde a empresa está e aonde deseja chegar é um fator que diz muito respeito à maturidade da companhia. Às vezes, ela não está mais preocupada em conectar os dados, que é o caso de uma Renault. Ela já está no estágio de “como é que eu extraio valor desses dados?”.

Outro ponto crucial é saber apontar, no seu negócio ou setor, onde é realmente importante automatizar. A Natura começou na área da manutenção, porque os seus gestores entenderam que ali era possível não somente economizar dinheiro, mas também reforçar seu posicionamento de sustentabilidade ao economizar energia. Quais são os seus principais gargalos?

Uma boa notícia para as empresas que desejam evoluir em se tratando de Indústria 4.0, mas não sabem por onde e como começar, é que elas podem recorrer ao auxílio de consultores especializados, que ajudarão, por exemplo, a conhecer as linhas de fomento mais indicadas de acordo com o seu setor de atuação.

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Utopia ou realidade?

A Indústria 4.0 no Brasil não pode ser considerada uma utopia completa, mas também é um fato que ainda temos um longo caminho a percorrer para torná-la uma realidade abrangente. É necessário um esforço coordenado entre governos, setor privado e academia para superar os desafios e ampliar esses resultados para um número maior de empresas.

A verdadeira transformação só será alcançada quando a inovação se tornar parte integrante da estratégia empresarial, com investimentos contínuos em tecnologia e capacitação. Somente assim poderemos transformar a promessa da Indústria 4.0 em uma realidade palpável para o Brasil.

Uma ótima dica de leitura para quem deseja se aprofundar nesse assunto é Mapa Estratégico da Indústria 2023-2032, lançado no ano passado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria). O documento reúne ações concretas em oito áreas-chave: ambiente de negócios; ambiente econômico; baixo carbono e recursos naturais; comércio e integração internacional; desenvolvimento humano e trabalho; desenvolvimento produtivo, tecnologia e inovação; educação; e infraestrutura.

Para finalizar, deixo essa reflexão: o quanto a sua empresa está preparada para embarcar nessa jornada da Indústria 4.0? Vocês possuem uma estratégia clara e os recursos necessários para implementar essas mudanças? Responda nos comentários. 

Até a próxima! 

Rafael de Tarso

Professor, palestrante e especialista em inovação e transformação digital.

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